Defesa Nacional e Forças Armadas

É no Governo e na sua política<br>que residem os factores de instabilidade

Rui Fernandes
Não pretendendo, até por economia de espaço, fazer história, resumamos temporalmente e afirme-se que os últimos 12 anos foram de sucessivos ataques aos direitos dos militares e à condição militar, com muita demagogia e ostensiva mentira à mistura. É assim que somos chegados aos dias de hoje, com cerca de 40 dispositivos legais de tipo vário – carreiras, remunerações, subsídios, pensões, ex-combatentes, etc – que não são cumpridos, com uma dívida crescente aos militares daí resultante e com frustrações resultantes de legitimas expectativas geradas fruto do incumprimento das leis.
Impunha-se ao Governo PS que aproveitasse na sua plenitude, as possibilidades abertas com o regime jurídico do associativismo militar, marcando não só a diferença com o trapalhão Governo PSD/CDS e, acima de tudo, procurando as vias de resolução dos problemas. O caminho escolhido foi radicalmente diferente. O caminho escolhido foi hostilizar as associações militares, cobrir a acentuação da via repressiva, mesmo com recurso a inaceitáveis e ilegais métodos, o de desencadear um ataque sem precedentes aos direitos sociais subvertendo as bases da condição militar, o de introduzir novas limitações ao regime e ao exercício de direitos de cidadania. Por outro lado, o actual Governo não resolveu nenhum problema ligado com o reequipamento, dispositivo, missões e estrutura das forças armadas. Ao contrário, agravou. E agravou ao manter as aberrantes opções constantes na Lei de Programação Militar (no essencial, do tempo do Governo PS/Guterres, com o apoio do CDS/PP de Portas), ao estar a ser agente activo na adopção de uma política marítima Europeia, a qual trará graves consequências para a nossa soberania, ao pretender implementar uma reestruturação na área da administração interna que retira às forças armadas papel nalgumas matérias, reduzindo-as a uma força armada para algumas missões externas (e diz-se algumas porque, como se sabe, não só temos já hoje a GNR nalgum tipo de missões, como é pretendido o alargamento do seu envolvimento). E não foi o veto do PR ao projecto de reestruturação das forças segurança que alterou as perspectivas no que respeita ao modelo pretendido, porque as razões do veto não incide naquilo que são os aspectos centrais e negativos do referido projecto.
O Governo falha em toda a linha excepto na cedência aos interesses externos e na criação dos factores geradores de instabilidade nas forças armadas. Aqui, é certeiro…

…Conscientemente certeiro

Prosseguindo na concretização do seu objectivo de alterar as bases da condição militar, não só no quadro do ataque mais geral à administração pública, assente em putativas razões orçamentais e de combate aos privilégios, mas também com vista ao seu ajustamento ao conceito estratégico em implementação, que funde defesa nacional com segurança interna, consagrando e implementando, conceptual e organizacionalmente, o primado da segurança nacional, é decisivo para o Governo, para a política que prossegue e para os interesses que serve, a limitação dos direitos. Assim, promulgou mais duas peças neste sentido – a alteração do regime de acesso dos militares à justiça (tribunais) e o aberrante estatuto do dirigente associativo militar, isto no momento em que se reuniram em Portugal dirigentes de vários países da Europa no quadro da EUROMIL (estrutura europeia de associações militares, com assento na OIT e outras organizações internacionais) e que deram conta das suas experiências que em nada afectam a coesão e a disciplina. O Governo PS prossegue a sua cobertura a práticas inquisitoriais a militares que lutam exigindo o cumprimento das leis, práticas essas com uso de métodos inaceitáveis, como seja a de inquirir um militar das 02h ás 05h da madrugada e, noutro caso, por um militar ter ido numa delegação ao Ministério da Justiça entregar um memorando dirigido ao respectivo Ministro. Cobre a instrumentalização da aplicação da disciplina, com militares a serem castigados por actos que tiveram lugar há 8 e mais meses, o que põe a nú o argumento utilizado pelos que se opõem ao associativismo sócio-profissional, da necessidade de regimes especiais por razões de celeridade e torna evidente que o que pretendem é o poder discricionário. Altera o quadro em se processa a protecção social, criando uma situação de desigualdade entre militares e de conflito com princípios estatutariamente consagrados. Gera insegurança no plano dos direitos na saúde para os militares e famílias – cartões que dão acesso ao direito por distribuir, comparticipações por pagar, novas restrições no acesso, aumento do número de medicamentos sem comparticipação, diminuição do valor de algumas comparticipações, etc.
Noticia recente dá conta de um relatório da Inspecção Geral de Finanças (IGF) que verificou a existência de sub-orçamentação, ou seja, falta de verba para pagamento do subsídio natal e outras obrigações. Isto é, o relatório da IGF confirma aquilo para que o PCP desde muito cedo alertou e confirma algumas das razões suscitadas pelas associações. Claro que, e outra coisa não seria de esperar, o Governo veio logo dizer que tudo será pago. Mas não é essa a questão de fundo. A questão de fundo são as habilidades para fingir, a governação com base na artimanha. E pergunta-se: será que a IGF também está a atentar contra a coesão e a disciplina?
A referência à falta de pilotos na Força Aérea surge ciclicamente. A opção do governo foi a de prolongar a obrigatoriedade da sua estada nas fileiras para 12 anos. Trata-se de uma medida meramente administrativa que não questiona a razão pela qual durante dezenas de anos nunca houve problemas e desde há 12 anos eles começaram existir. É que esse questionamento conduziria à conclusão de que os problemas começaram a surgir quando se acelerou todo o processo de ataque à condição militar, de desprestigio da Instituição por via das medidas governamentais e de limitações sucessivas, por razões orçamentais e não só, às possibilidades de voo por parte dos pilotos.

Opção inaceitável e de consequências preocupantes

A onda repressiva que se abate sobre militares e associações, em que é raro o mês em que um militar não é castigado, é uma opção inaceitável e atentatória da coesão da Instituição. É de enaltecer a coragem, a lucidez e a determinação desses militares com as palavras de esperança e confiança que expressam à saída de cada castigo. Feliz a Instituição que pode contar nas suas fileiras com pessoas com tal carácter. Ora, uma instituição que maltrata tais pessoas, não por não cumprirem os seus deveres profissionais, mas por dizerem a verdade sobre problemas de índole sócio-profissional, é uma Instituição com graves problemas. Tratam-se de atitudes de afirmação gratuita de poder, de imposição de uma dada concepção assente no Não! pelo não, em completo afrontamento aos direitos consignados. Quem assim age dificilmente é respeitado e isto é particularmente grave nas forças armadas. E importa repetir que nenhum militar foi castigado por ser mau profissional, por desrespeitar ordens de natureza operacional, por recusa a qualquer serviço. A cobertura dada pelo Governo PS a tais procedimentos (e o silêncio do PR e Cdt. Supremo das Forças Armadas) confirma as preocupações manifestadas pelo PCP, quando da alteração do artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional, de que a anuência do PS e do PSD a tal alteração, resultava mais de dificuldades políticas em manter a situação então existente do que de um real sentimento da necessidade de mudança. A vida aí está a comprova-lo. E o Estatuto do Dirigente Associativo agora publicado reforça essa comprovação, ao pretender, entre outros aspectos, que as associações entreguem os seus ficheiros de associados para terem acesso aos «direitos» consagrados nesse Estatuto que mais parece um anexo ao regime de restrições consagradas no referido artigo 31.º.
Ao contrário do que o Governo repetidamente diz, é nele que residem os factores de instabilidade. Mas factores de instabilidade que estão ao serviço de uma política, que se sustentam numa acção ideológica de descredibilização dos pilares em que assentam as forças armadas para no seu lugar construírem outros que melhor sirvam os seus objectivos. A instrumentalização da disciplina militar e o não respeito ostensivo da lei, introduz elementos qualitativos na situação da Instituição que importa ter presente e cuja responsabilidade é da política de direita e do seu protagonista de serviço o Governo PS.


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